quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

LITERATURA DE CORDEL

Clecio DiaS

Os estilos das estrofes e a métrica vieram nas caravelas
portuguesas na época do descobrimento, mas a literatura de cordel adquiriu ares nordestinos tão marcantes que praticamente se tornou uma expressão artística genuinamente nordestina. E mais ainda: uma expressão que se desenvolveu somente aqui na região Nordeste do Brasil.Os cantadores repentistas, os aboiadores, os emboladores e os cordelistas foram e ainda são, apesar da “desvalorização” de que são vítimas no dia-a-dia, os principais produtores e disseminadores desta arte que atualmente ainda passa por análises acadêmicas que já dão conta do seu valor artístico e cultural. Por isso, os versos que eram recitados pelos “matutos”, não-alfabetizados, miseráveis, sertanejos nordestinos foram muito discriminados pelas outras regiões. Isto é, com o mesmo grau que discriminavam as pessoas nordestinas trataram de discriminar toda a arte produzida aqui como sendo tão pobre e tão miserável quanto à situação em que os nordestinos viviam.Toda a cultura do sertão nordestino, as secas, as crenças religiosas, etc., eram contadas pelos artistas da palavra que conseguiam cantar e de forma genial o modo de vida do povo simples que sempre foi excluído e “massacrado” vítima de um preconceito que mesmo tenha perdido a força ainda deixa rastros difíceis de serem apagados pelo tempo. Esses artistas que tiveram muitas de suas obras “jogadas no chão” como sendo obras de analfabetos, ingênuos estão sendo hoje largamente redescobertos nas universidades, sobretudo do Nordeste, onde há uma tentativa de ressuscitar grande parte de nossas origens e colocar nossa verdadeira identidade no lugar que merece.O que se busca, em outras palavras é, através da redescoberta de formas artístico-culturais que nasceram e adquiriram originalidade no Nordeste mostrar que o povo nordestino não é nem nunca foi esse “emaranhado de pobreza cultural” – idéia que através dos tempos foi disseminada, inclusive em “Os Sertões” de Euclides da Cunha. Outrossim, mostrar que aqui não só existiam a seca e os retirantes como se “convencionou” pelos sulistas e até por grande parte de nordestinos, mas existia também, uma vasta produção artística que se consolidou e que expressou os anseios, o modo de vida, as particularidades e principalmente a arte de um povo que ao longo do tempo foi estigmatizado como sendo inferior à cultura de outras regiões.Hoje em dia, que se dá tanta ênfase ao relativismo cultural, ou seja, as culturas são diferentes e não melhores ou piores que outras, a literatura de cordel se liberta das correntes do desprezo a que foi submetida durante décadas e alcança um status que, embora não seja o ideal já é divulgado em meios de comunicação que antes a ignoravam. No entanto, os meios de comunicação de massa ainda se negam a inserir em sua programação as artes “estigmatizadas”.A literatura de cordel é uma das incontáveis manifestações do povo nordestino. Teve uma utilidade incalculável no seio do sertão da nossa região, onde se desenvolveu com mais intensidade. O cordel serviu como jornal, como novela, como filme, como protesto, como cartilha, como coluna social de um povo que não tinha acesso a nenhum desses privilégios. Por tudo isso, é essencial que o cordel esteja nas escolas e que seu valor seja transmitido integralmente à nova geração, que como essa nossa está correndo o risco de dar as costas às nossas origens e dar continuidade a supervalorização das culturas sulistas que sobrepõem a nossa e criam em nós mesmos o preconceito em relação às manifestações oriundas das nossas próprias origens. Em síntese: um preconceito sobre nós mesmos!

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